14/02/18

"Lamentavelmente, na maioria dos países da América temos o mesmo problema, com governos egoístas e irresponsáveis", desabafa escritor argentino que está morando no Brasil


Na condição de poeta, o argentino Gustavo Alejandro Castiñeras faz seus leitores viajarem através do mundo das letras, percorrendo o próprio coração. Atualmente residindo em Salvador-BA, ele atua também na área de turismo e fotografia. Autor do famoso poema "Dime" (erroneamente atribuído a Jorge Luis Borges em alguns sites), o escritor concede esta entrevista exclusiva ao Blog do Paulo Nailson.

Além de literatura, ele fala um pouco sobre a sua vida, sua carreira e a importância de uma maior interação cultural entre os países latinoamericanos. Ao término da mesma, você ainda poderá conferir, em espanhol, a transcrição do poema acima citado.


Qual foi o seu sentimento quando soube que uma poesia sua estava circulando pela internet com a autoria atribuída a Jorge Luís Borges?

Bom, certo dia eu entrei em um site - daqueles que têm envio de poesias para outras pessoas - para enviar um para a minha irmã que fazia aniversário, então vi um dos títulos muito "familiar". O título era Dime, e logicamente senti muita curiosidade por ter um dos meus trabalhos o mesmo título, e toquei no link para ler o poema em questão. No primeiro momento, reconhecendo minha poesia, fiquei muito feliz porque esse site tivesse escolhido um dos meus poemas para oferecer aos seus visitantes, porém, depois, ao ver que ele tinha sido atribuído a outro autor, e nada menos que um da magnitude de Jorge Luis Borges, escritor e poeta conterrâneo meu, a quem eu sempre admirei (inclusive fui visitar o lugar onde descansam seus restos mortais em Genebra, durante os anos em que eu morei na Europa), e li muito da sua maravilhosa obra literária. Ele e eu fomos contemporâneos por 30 anos, a primeira reação foi de total surpresa, na verdade não conseguia acreditar no que meus olhos estavam lendo.

Logicamente, escrevi para esse site para esclarecer o erro, lhes enviando não só a inscrição na SADE (Sociedade Argentina de Escritores), mas também o manuscrito original dessa poesia, e eles aceitaram corrigir o erro e modificar o nome do autor.

Já tinha me acontecido várias vezes estar escutando a rádio ou até assistindo a TV e alguém recitar algum dos meus poemas, porém, sempre tinham falado meu nome de autor, essa foi a primeira vez, que eu soubesse, em que alguém cometou um erro assim.

Conte-nos um pouco da sua trajetória literária...

A minha trajetória literária começou muito cedo, apenas com 9 anos, no quarto ano do ensino fundamental, quando escrevi o primeiro poema dedidado a minha mãe. Ela ainda tem guardada essa poesia, e é para mim um dos meus poemas mais queridos. Sempre gostei de escrever ao mar, à natureza em geral e à minha familia, porém principalmente dediquei todas as minhas poesias ao amor, ele sempre foi o forte da minha criatividade.
Apenas consegui imprimir há muitos anos, um pequeno livro com algumas poesias. Os outros quase mil trabalhos literários permanecem na sua maioria ainda desconhecidos, se não for por alguns que aparecem em alguns blogs da internet. Também tenho em andamento algumas novelas de suspense e escrevi uma grande quantidade de contos infantis, por ser, na atualidade, meu filho a minha principal fonte de inspiração.


Apesar de ser argentino, você atualmente está morando em Salvador-BA. O que o trouxe ao Brasil e quais são as suas impressões sobre o país?

Eu cheguei ao Brasil pela primeira vez lá pelo ano 1979, com apenas 24 anos de idade, recepcionando passageiros argentinos em Camboriú-SC para minha própria agência de viagens, e nos anos seguintes trabalhei acompanhando turmas que percorriam milhares de quilômetros, com ônibus leitos, desde Buenos Aires-Argentina até Natal-RN, então conheci muito do Brasil, e assim fui me apaixonando pela maioria das suas localidades, como Belo Horizonte, Curitiba ou Santa Catarina entre outras. Anos depois, visitei Manaus e no ano 2009 conheci Salvador (onde meu filho nasceu). No ano de 2011, com meu filho recém-nascido e a mãe dele fomos morar em Fortaleza. Porém, a Bahia tem sido o estado que mais me cativou - não sei se pela sua história, pela caraterística singular dos seus habitantes de forte ascendência africana, ou pelos seus costumes religiosos ou seus ritos de índole às vezes quase pagãos, que são tão atraentes para quem não é daqui, ou pelas suas paisagens, ou seu clima - , então, decidi depois de 3 anos de morar em Fortaleza e, já separado (só meu filho e eu), voltar para Salvador.

Amo o Brasil, levo mais anos da minha vida morando nele do que na minha própria pátria. Somente sinto uma grande tristeza por ver como a maioria do povo brasileiro fica passando tamanha pobreza e tantas necessidades básicas, em relação a saúde, segurança e educação, enquanto que os políticos, seus governantes, que são quem deveriam velar pelo bem estar das pessoas, são justamente quem ficam se aproveitando do caráter pacífico e quase que conformista da sociedade brasileira, se enriquecendo exagerada e ilicitamente sem nenhuma vergonha, como se fossem parasitas, com total falta de ética, sugando o dinheiro da população. Lamentavelmente, na maioria dos países da América temos o mesmo problema, com governos egoístas e irresponsáveis.


Você acredita que é necessário haver uma maior interação entre os autores latinoamericanos?

Sim. Logicamente, isso é muito importante, ainda mais entre paises como Brasil e os outros que o rodeiam, pela sua origem tão diferente, e sua cultura tão característica. Todos os nossos povos sul-americanos foram modelados por correntes migratórias porém, eles têm sido "marcados" por esses imigrantes de maneiras bem distintas. Então, as nossas histórias devem ser difundidas fora de cada uma das nossas fronteiras, é muito importante o intercâmbio cultural, e, nesse sentido, nos últimos anos, a internet tem sido uma ferramenta muito poderosa, facilitando cada dia mais essa interação.

Quais são seus projetos literários? Há algum livro a ser publicado?

Tenho, sim. Além dos meus poemas, estou trabalhando atualmente em uma novela de suspense e em outra romântica, e escrevi, dedicados a meu filho, muitos contos infantis. Porém, a bem da verdade, estes últimos anos não têm sido para mim, econômicamente falando, dos melhores.
Eu sou pai solteiro, tendo que fazer de pai e mãe ao mesmo tempo, e só quem teve que passar por essa situação, pode compreender o difícil que as vezes resulta. É maravilhoso, e agradeço a Deus cada dia, pela felicidade de contar com a companhia de meu filho (ainda criança), ao meu lado, porém, no Brasil eu não tenho família nenhuma, e por conta disso, as coisas por momentos ficam bastante complicadas, até o ponto de que, às vezes mal consigo achar o tempo necessário para me sentar a escrever, e também, os custos de impressão de livros são bem elevados, ainda bem que a gente agora tem a internet com ferramentas como o Linkedin, o Facebook, o Tweetter ou o Instagram para poder fazer alguma divulgação, só que sempre existe o risco de plágios por parte de algumas pessoas sem ética.

De que forma você tem se relacionado com autores brasileiros, sobretudo no Nordeste? Como avalia o “jeito” brasileiro/nordestino de fazer Literatura?

Na verdade eu sempre tive pouca o quase nenhuma interação a nível pessoal com poetas brasileiros.
Poucas vezes assisti a congressos ou palestras, porém, sim, tenho lido bastante das suas obras e sinto uma grande admiração por escritores como José de Alencar, e alguns de seus tantíssimos lindos livros como por exemplo "O Guaraní", Airton Monte de quem amei seu livro "Moça com flor na boca", ou Natércia Campos com seu maravilhoso livro "A casa". Tem tantos escritores brasileiros maravilhosos, não só no Nordeste, como Mylena Araújo, Renato Pessoa ou tantos outros, mas também no Brasil todo, como o grande Jorge Amado, o poeta Vinícius de Moraes, e até o polemizado Paulo Coelho!

De que forma as pessoas podem ter um maior acesso às suas obras?

Seria muito bom para mim achar um modo de difundir a minha obra. Tomara este ano eu encontre o jeito de conseguir fazer isso. Pode me ajudar o fato de meu filho já não ser tão bebê e então acho que vou dispor de mais tempo para fazer isso. Gostaria, por exemplo, de achar algum veículo de imprensa ou de difusão onde possa publicar alguns dos meus trabalhos ou até ter a minha própria coluna para poder tocar temas relacionados não só à literatura, mas também a diversos temas de interesses cultural e cidadão. Acho que poderia fazer um importante aporte às pessoas.

Dime (Poema de un recuerdo)

Dime por favor donde no estás
en qué lugar puedo no ser tu ausencia
dónde puedo vivir sin recordarte,
y dónde recordar, sin que me duela.
Dime por favor en que vacío,
no está tu sombra llenando los centros;
dónde mi soledad es ella misma,
y no el sentir que tú te encuentras lejos.
Dime por favor por qué camino,
podré yo caminar, sin ser tu huella;
dónde podré correr no por buscarte,
y dónde descanzar de mi tristeza.
Dime por favor cuál es la noche,
que no tiene el color de tu mirada;
cuál es el sol, que tiene luz tan solo,
y no la sensación de que me llamas.
Dime por favor donde hay un mar,
que no susurre a mis oídos tus palabras. 
Dime por favor en qué rincón,
nadie podrá ver mi tristeza;
dime cuál es el hueco de mi almohada,
que no tiene apoyada tu cabeza.
Dime por favor cuál es la noche,
en que vendrás, para velar tu sueño;
que no puedo vivir, porque te extraño;
y que no puedo morir, porque te quiero.

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