22/09/18

Alguns Poetas da Velha Guarda - por Frank Júnior



Um dos grandes nomes da poesia e literatura de Caruaru é o professor Augusto Monteiro Tabosa. Seu forte era escrever sonetos (uma das modalidades das escritas poéticas), chegou a escrever um livro chamado “Frocos de Neve”, com 80 sonetos de sua autoria, além de ter participado de concursos literários e era admirado pelos intelectuais de Lisboa, em Portugal. Aqui abaixo, vai um de seus sonetos: 

“Como alva linfa no cristal da fonte 
Galgando o morro, contemplei de leve 
Saudosa ermida, qual vestal insonte, 
Que a minha musa profanar não deve 

Com a sua alvura cândida, de neve 
Descortinando além o horizonte 
O colo esbelto e senhoril descreve 
De uma garça no píncaro do monte. 

Meu pensamento divagando a êsmo 
Ao contemplá-la solitária e bela 
Pôs ali um pedaço de mim mesmo 

Junto ao Cruzeiro permanece erguida, 
Lá bem no alto, como sentinela 
De minha Caruaru estremecida.” 

--- oOo --- 

Na bairro da rua Preta existe uma escola chamada: Escola Municipal Artur Tabosa, e não é à toa, o mestre Artur Tabosa foi um dos maiores poetas de Caruaru da primeira metade do século 20, e irmão de Augusto Tabosa. Amigo de Nelson Barbalho, Artur Tabosa era um ótimo glosador, desses que faz verso de improviso (e ainda por cima, dividindo o mote dado, com uma frase na primeira quadra, e a segunda fechando o verso. Modalidade mais difícil do que o habitual de se fazer o verso com as duas frases do mote terminando o verso). 

Em 1972, Nelson Barbalho, mandou um mote para o seu amigo: 
“Caruru ou Caruaru / Nossa terra é a maior” 
e no fumaçar no tiro, Artur Tabosa disse: 

Já ouvi dizer: Caruru 
Há muitos anos atrás, 
Mas, para mim, tanto faz 
“Caruru ou Caruaru”; 
Quase ficou Cururu, 
O que seria pior. 
Como está, ficou melhor, 
Pois de fato e de direito, 
Crescendo assim desse jeito 
“Nossa terra é a maior” 

--- oOo --- 

Nessa linha da poesia de improviso, mas dominando a viola no repente, Caruaru teve também o poeta-violeiro Joaquim Manoel de Oliveira. Nascido em 1876, era um grande repentista e cordelista escrevendo folhetos de feira (nome dado ao “cordel” de antigamente) igualmente à nomes como João Martins de Athaíde (um dos principais nomes dos primórdios do cordel), e Rogaciano Leite (um dos primeiros nomes da cantoria de viola), que fazia verso na maior facilidade do mundo, como essa sextilha: 

“Quando pego na viola 
Nesta viola querida, 
Eu me sinto noutro mundo 
Numa existência florida 
Vão-se todas as tristezas 
Todas as mágoas da vida”. 

Já envelhecido, e no final da vida, mas ainda afiado no improviso, Joaquim de Oliveira glosou o verso: 

Fui cantador, tive fama 
Fui no repente uma fera 
Os anos me amoleceram 
Já não sou mais o que era 
Mas digo que “onde foi casa 
Não deixa de ser tapera” 

--- oOo --- 

Falar dos poetas de Caruaru, não se pode esquecer de Major Sinval da Pharmácia Franceza, que aos 10 anos de idade já glosou um verso em quadra, em homenagem ao seu mestre na poesia, Paulo Ferrúcio da Rocha: 

“Nas fibras do coração 
Tenho meu mestre estampado 
Tudo que sei neste mundo 
Me foi por ele ensinado” 

Major Sinval, que foi também um grande farmacêutico, nascido em 1883 e falecido em 1974, certo dia, seu amigo Nelson Barbalho lhe deu o mote: “No dia da minha morte / é que começo a viver” Major Sinval rapidamente respondeu com essa glosa: 

O meu espírito forte 
Vai reviver no futuro 
Saindo do lodo impuro 
“No dia da minha morte” 
Quando tiver essa sorte 
Será meu alvorecer, 
Terminará meu sofrer 
Na estreita campa funéria 
Deixando a podre matéria 
“È que começo a viver”. 

Certa vez, major Sinval recebeu o mote: “Gosto do mar que soluça / Nessas noites de luar”, e fez o verso: 

Não me cabe a carapuça 
Porque eu não sei rimar 
Mas mesmo assim vou glosar 
“Gosto do mar que soluça” 
Quando a lua se debruça 
De seu trono, ou seu altar 
Para ver seu noivo, o mar 
Que saudade! que tristeza! 
Reina em toda natureza 
“Nessas noites de luar” 

--- oOo --- 

Major Sinval era um poeta tão grande que passou o dom de fazer verso para a filha, Cacilda Santos (foto que ilustra o texto), nascida em 1914, diplomada pela Academia Santa Gertrudes, em Olinda, foi uma das maiores intelectuais, e com certeza, a maior poetisa de Caruaru. É de Cacilda o verso: 

“O mundo tem uma alma como a nossa 
A natureza também chora e canta, 
Chora, palpita, freme, brinca e ri 
Sem saber quanto prende e quando encanta, 

Quem não já viu o prado todo verde. 
Muito cheio de flores pequeninas? 
O mundo tem su’alma toda em festa 
As flores são os risos das campinas 

Depois muda o cenário. O sol já chega. 
Cantos vibrantes ouvem-se fecundos: 
É que sonha a natura; ela ama o sol 
Os cantos d’aves são cantar dos mundos 
Sobe o sol. Meio dia. Calor forte. 
Tudo é calor e fogo abrasador 
Parece o mundo labareda enorme, 
O mundo está no píncaro do amor! 

Depois serena. O sol já vai-se embora. 
(Quanta tristeza o coração no cerra!) 
A natureza chora de saudade 
O sereno é a lágrima da terra 

Ás vezes enfurece-se a natura: 
Ciúmes, raivas desesperação? 
Ri o riso sarcástico dos ventos, 
Praqueja o ronco surdo do trovão. 

Chegou a hora do tocar dos sinos 
Ave Maria, a alma se refaz 
O mundo reza pelo sol já morto 
Ave Maria, que descanse em paz” 

A noite desce. É tudo muito escuro: 
A terra está tão triste! O sol morreu. 
Está toda de luto a natureza 
Prova cabal do sofrimento seu. 

E o mundo rola, como a nossa vida 
Entre os abismos, colossal, profundo 
A natureza é tela majestosa 
Onde ficou impressa a alma do mundo” 

--- oOo --- 

Caruaru hoje em dia não tem essa cultura enraizada de poesia de viola, verso de improviso e repentistas, tanto quanto o sertão por exemplo. Mas Caruaru já teve grandes poetas, como Francisco Sales Arêda​, ​mestre Olegário​ e Diniz Vitorino, sem falar que grandes nomes da poesia sertaneja passaram ou até chegaram a mora em Caruaru como Pinto do Monteiro e tantos outros. Infelizmente essa prática cultural se perdeu um pouco com um tempo, mas não desapareceu e nem deve. Hoje em dia, Caruaru tem o museu do Cordel na feira, e tem nomes como Rogério Meneses na viola de repente, Jefferson Moisés, Nerisvaldo Alves, Hérlon Cavalcanti e tantos outros, mas isso é assunto pra outro texto. 

No ano que a literatura de cordel recebeu pelo IPHAN o título de Patrimônio Imaterial Cultural do Brasil, seria uma bela hora, pra a gente passar a ocupar de forma rotineira espaços como o museu do cordel e o bar do repente na feira. Frequentar cantorias-pé-de-parede (em Caruaru mesmo teve uma grande, um dia desses), valorizar e estimular versos de improviso nas calçadas e mesas de bar. 

Referências​: - LIMA, Rosalino da Costa. Fatos Históricos e Pitorescos de Caruaru. 1957 - BARBALHO, Nelson. Trem da Saudade. 1980. - BARBALHO, Nelson. Baú de Sovina. 1980 

Um comentário:

Nelson Lima disse...

Ótima e oportuna matéria essa do ALGUNS POETAS DA VELHA GUARDA - POR FRANK JÚNIOR, nós que vivemos dessa literatura agradecemos. No final foi citado alguns espaços para que se frequente, aí senti falta da Casa do Cordel na Estação Ferroviária...