31/10/18

Bartleby, o Escrivão, e as cartas da existência – por Jénerson Alves


“Prefiro não fazer”. Esta é a frase mais representativa da personagem Bartleby, o Escrivão. Escrito por Herman Melville em 1853 – pouco tempo após a publicação de Moby Dick –, a obra conta a história de Bartleby, um simples auxiliar de escritório que foi contratado por um advogado. Tudo vai bem até quando o funcionário decide responder o chefe de forma inesperada: “I would prefer not to”. A repetição desta atitude levou Bartleby à completa imobilidade. Seu patrão, por sua vez, foi conduzido à loucura.

Ao término da narrativa, descobre-se que o protagonista anteriormente trabalhara nos Correios, mais especificamente no departamento das denominadas “Cartas Mortas”, ou seja, aquelas das quais os destinatários jamais foram encontrados. E isto conduz a uma inquietação: Quantas mensagens deixaram de ser lidas? Quantas declarações de amor não foram extraviadas? Quantas palavras que poderiam ter salvado vidas?

Publicada no século XIX, a obra é motivo de debates e análises, principalmente no meio acadêmico, até os dias de hoje. Alguns especialistas afirmam que, de certa forma, o livro aponta para o existencialismo. Segundo esta corrente filosófica, a existência tem prioridade sobre a essência humana, de modo que não é possível racionalizar e identificar um propósito em todas as esferas da vida.

De certa forma, é possível afirmar que a personagem, após tanto tempo no setor de “Cartas Mortas”, tenha se ‘transformado’ existencialmente em uma. Ele próprio encarna um ente sem destinatário, um constante vir-a-ser, uma possibilidade que não se converte em realidade. E, com isso, representa a angústia existencial de um mundo sem sentido, no qual as pessoas simplesmente preferem “não fazer”, involucrando-se em um “não ser”.

Esta percepção faz lembrar de uma declaração de São Paulo Apóstolo escrita por volta do ano 56 d.C. para cidadãos gregos da cidade de Corinto que buscavam um estilo de vida diferente do contexto de promiscuidade e falta de sentido existencial que os circundava: “A vida de vocês é uma carta que que qualquer um pode ler simplesmente olhando para vocês. O próprio Cristo a escreveu – não com tinta, mas com o Espírito do Deus vivo. Essa carta não é inscrita na pedra, mas entalhada em vidas humanas – e nós a publicamos”.

Enquanto Bartleby representa as Cartas Mortas de um mundo em dissolução, Paulo nos ensina que somos Cartas Vivas, escritas com o propósito de difundir um sentido de vida neste mundo. Porém, passa por ambas cosmovisões a necessidade de decidir o que preferimos fazer ou não fazer. As nossas pequenas decisões constituem-se em elementos do nosso ser. E nossa maneira de proceder nos transformará em cartas – vivas ou mortas – que serão lidas perante a História do Universo.

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