24/10/18

Quando a política diminui a arte – por Jénerson Alves


Não são raras as manifestações artísticas emolduradas por um viés político. Recitais, shows, encenações teatrais têm servido como moldura para difusão não apenas de uma cosmovisão política, mas até mesmo de determinados partidos políticos. Esta situação, porém, consiste em uma moeda de duas faces. Se, por um lado, expressa democracia e livre expressão de pensamento, por outro lado representa a mera instrumentalização da arte, que deixa de cumprir seu papel original e torna-se uma simples peça de propaganda político-partidária.
Para impedir a utilização da arte como instrumento partidário, é preciso restaurar a cosmovisão de que o núcleo estético da arte revela-se na expressão da beleza. Este é o entendimento aristotélico sobre a arte, tendo em vista que o filósofo grego, cerca de 500 anos antes de Cristo, já afirmava que “a beleza é o esplendor da ordem”. Neste sentido, vale a pena conferir um vídeo, disponível no YouTube, intitulado ‘Why the beaty Metters’ (Porque a Beleza Importa), em que o filósofo inglês Robert Scruton apresenta, de forma magistral, elementos que sustentam a relevância da sensibilidade ao Belo.
De acordo com Don Raimundo Miguel – catedrático de clássicos do Instituto Provincial de Búrgos –, em seu ‘Curso Elemental Teórico Práctico de Retórica y Poética’, publicado em 1857, há duas principais fontes de prazeres do gosto na arte, a saber: a Sublimidade e a Beleza. Ele explica que a Beleza é percebida quando determinado ‘objeto’ tem, em si, condições para “alargar suavemente nossa fantasia e proporcionar sentimentos agradáveis”. A Sublimidade, por sua vez, consiste na experiência que “penetra nosso ânimo de admiração e assombro elevando-o sobre o seu estado ordinário”. Estas percepções tocam no espírito humano, embevecendo tanto a alma quanto a razão do indivíduo, através da sensibilidade artística e do conhecimento técnico acerca da arte.
É bem verdade que esta ótica sobre a produção artística caiu em declínio a partir do início do século XX, quando foi fortemente atacada pelos modernistas e pelos denominados ‘artistas de vanguarda’. Posteriormente, os pós-modernistas atacaram ainda mais o conceito da beleza, afirmando que ela pode (ou “deve”) corresponder ao grotesco, ao bizarro, ao bárbaro e à náusea. O filósofo alagoano Ângelo Monteiro descreve este fenômeno, de forma crítica e altamente inteligente, no livro ‘Arte ou desastre’, publicado pela editora É Realizações.
A falta de compromisso estético aliada ao fervor político-partidário de alguns artistas contemporâneos são elementos que dissipam o valor propositivo que as artes poderiam exercer em nossos dias. Ao invés da sensibilização para com a beleza, que promove a delicadeza nos seres humanos – independentemente de credos, orientações ou ideologias políticas –, o que se percebe é a profusão de poemas, músicas e espetáculos teatrais que colaboram na construção de estereótipos e na disseminação de discursos de segregação social. Este é um imenso desserviço à sociedade, pois alimenta a caricatura do outro, a animalização de certos setores, o silêncio do contraditório. Ao invés de promover o entendimento das posições distintas, aumenta o abismo entre os que pensam de maneiras opostas.

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