Diário de Pernambuco
O ceramista José Joaquim da Silva, o Zezinho de Tracunhaém, faleceu na noite desta quarta-feira (04), aos 80 anos, em decorrência de um infarto. O artista estava internado desde o dia 15 de agosto no Hospital Pelópidas Silveira, no Curado, Zona Oeste do Recife. A morte foi confirmada às 20h10.
Segundo a nora dele, Cristina de Lima, o artesão já estava bastante debilitado e se locomovia com auxílio de cadeira de rodas. Os problemas cardíacos intensificaram e devido à baixa imunidade, ele acabou tendo uma infecção, ficando internado por quase um mês. “Ele fumava muito e foi o que prejudicou o estado de saúde dele. Estávamos esperando uma cirurgia de cateterismo, mas não deu tempo, devido a saúde debilitada”.
Mestre Zezinho nasceu no dia 5 de julho de 1939 na cidade de Vitória de Santo Antão. De origem humilde, viveu até os 21 anos trabalhando no corte da cana-de-açucar para sobreviver e sustentar a família nos engenhos da região. Ele foi morar em Tracunhaém no ano de 1968, onde ficou conhecido pelo pioneirismo no artesanato local. O artesão fez questão de ensinar a todos os filhos a arte do barro.
Pietá é uma das 20 Obras de Zezinho que você encontra no Museu do Barro (MUBAC) Caruaru |
O sepultamento está previsto para acontecer às 16 horas desta quinta-feira (05), no Cemitério Público de Tracunhaém, localizado Rua Professora Ana Maria Vaz de Andrade, no bairro Dois.
Zezinho de Tracunhaém
JC/imagens |
De cambiteiro, cortador de cana e agricultor chegou a pedreiro e barbeiro, num tempo em que, anos 60, de dia labutava na construção civil e à noite, na cerâmica. Para aumentar o orçamento, também se virava nas artes da barbearia. O estalo que desencadeou toda a carreira artística aconteceu no dia 20 de abril de 1966, conforme registrado no jornal Gazeta de Nazaré, em artigo escrito pela jornalista Marliete Pessoa e publicado a 27 de agosto de 1966: “No cortiço do velho prédio do Acadêmico, nasce mais um artista do povo”. Soldado, boêmio, músico, valentão, vendedor de milho assado e de amendoim, mendigo de braço cotó, marceneiro, pedreiro, ferreiro: estas são as primeiras figuras que reinam na gênese da estatuária do mestre Zezinho. Os primeiros ensaios de modelagem resultam de inquietações e descobertas próprias de artista, a partir da observação do trabalho de Lídia Vieira nas visitas inspiradoras à vizinha Tracunhaém. O artista lembra, entretanto, que a primeira peça foi um par de namorados, encostado na porteira dum engenho de açúcar, com cerca de vinte centímetros de altura. Nessa época ele vivia em Nazaré, era trabalhador rural e o barro que esculpia vinha de um engenho próximo, o Alcaparra.
A estreia no cenário artístico aconteceu na 1ª Exposição de Arte Popular em Nazaré da Mata, na biblioteca municipal, organizada pela jornalista que escreveu o artigo, e inaugurada a 1º de outubro de 1966, mesmo ano em que o escultor se inicia e é descoberto pela jornalista. Exibe sessenta bonecos. Nessa mesma década, dois anos depois, ou seja, em 1968, decide morar em Tracunhaém e dedicar-se exclusivamente ao trabalho de ceramista. Era a época em que os famosos da região eram Lídia Vieira, então viúva do renomado santeiro Severino, José Antônio. O filho de Júlia Batista da Cruz, que nasceu em Vitória de Santo Antão, a 5 de julho de 1939, jamais havia pensado que antes dos 30 anos fosse viver em Tracunhaém e se sustentar do ofício de ceramista. Nem mesmo imaginou que receberia o título de cidadão daquele município, o que aconteceu em novembro de 2002. Honraria que vem se somar à comenda Troféu Construtores da Cultura Cidade do Recife, recebida em 1992, e ofertada pelo então prefeito da capital pernambucana. Além da jornalista Marliete Pessoa, um dos principais incentivadores e divulgadores da obra do santeiro foi o colecionador pernambucano Abelardo Rodrigues, que freqüentemente visitava o artista e encomendava trabalhos.
Há mais de quarenta anos radicado naquela cidade da Mata Norte, José Joaquim da Silva não calculava que conquistaria alguma fama com os gigantescos santos de barro, pois sequer tinha parentes envolvidos com a arte cerâmica quando optou pelo ofício. Constituída a fama de homem talentoso, calcada na inventividade de peças como José e Maria Grávida, Lampião, Maria Bonita, São José de Bota, Pietà, é que os filhos e a esposa também passaram a viver do artesanato em barro, cuja matéria-prima vem da Paraíba. A esposa, Maria Marques, mais quatro dos nove filhos – José Carlos, Josenildo, Cláudio e Fernando –, e dois dos treze netos – Lucas (filho de Carlinhos) e Bruno (filho de Cláudio) – todos eles se inspiraram na labuta de Zezinho e passaram a trabalhar as próprias peças em regime semi-coletivo, envolvendo-se com o conjunto das etapas, que vão desde o preparo do barro, até à modelagem, secagem, queima em forno a lenha e coloração das esculturas. Nelas, predominam os motivos sacros, dondocas e namoradeiras.
Algumas das obras do mestre recebem dele mesmo uma certificação de autenticidade, como é o caso da peça São Francisco sentado olhando para o céu, registrada como peça única e com data de conclusão em 1º de setembro de 2004. A temática preferida do artista é a sanfranciscana, em que o santo e pássaros são esculpidos em grandes proporções. Especialista em imagens sacras, grandioso é o aspecto visual da obra de Zezinho, que adora modelar peças com dois metros de comprimento e prefere pintá-las com tinta terracota. Na Mata Norte, Tracunhaém, topônimo indígena que significa panela de formiga, testemunha há décadas o florescimento de diversos artistas do barro, tais como Antônia Leão, Lídia Vieira, Severino Gomes de Freitas, Nuca, Maria Amélia. O mestre Zezinho, um dos mais antigos ceramistas vivos naquela cidade, tem obras espalhadas pelo mundo, em museus, igrejas, coleções particulares. Sua obra tem figurado em inúmeros salões de arte, coroando décadas de habilidades manuais e invenção.
Fonte: Amorim, Maria Alice (2014), Patrimônios Vivos de Pernambuco; 2. ed. rev. e amp – Recife: FUNDARPE
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