05/09/19

Direito e Política - Diplomacia em chamas por João Américo*


O Brasil é sempre o primeiro país a discursar na assembleia geral da ONU. Essa honrosa prerrogativa nasceu da valorosa diplomacia nacional fundada por José Maria da Silva Paranhos Junior, o Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira, e que tem deixado um legado luminoso ao logo da história, como nomes como o de Sérgio Vieira de Mello (Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos), morto em um atentado a bomba em maio de 2003 em Bagdá; Roberto Azevêdo, atual diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), entre outros em grau de destaque na diplomacia internacional.

O Brasil é um dos 51 estados fundadores da ONU, em 1945, e por conta da atuação do grande diplomata brasileiro Osvaldo Aranha, que presidiu as primeiras sessões de fundação da ONU, o chefe de Estado brasileiro sempre discursa, primeiramente, na assembleia geral da ONU.

O corpo diplomático brasileiro sempre teve prestígio internacional, principalmente por questões  históricas, visto que o Brasil é uma liderança regional natural, pelo tamanho de seu território, e por exercer em muitos momentos, o chamado  "soft power", termo dado à influência de um país em decisões internacionais por meio de sua capacidade de persuasão, sem uso de coerção, poder econômico ou militar, principalmente quando trata com os chamados países emergentes. 

Nossos diplomatas possuem uma sólida formação acadêmica, formação essa no Brasil capitaneada pelo prestigioso Instituto Rio Branco e no exterior com atuação destacada nos mais diversos fóruns internacionais de debate. 

Apesar de todo esse aparato e legado, contando com o corpo diplomático qualificado, o atual governo, nos primeiros nove meses de gestão, tensionou as relações internacionais com posições polémicas, contrariando a história e modelo diplomático adotado pelo Brasil.

O mundo esperava ansioso por uma declaração do recente presidente eleito Jair Bolsonaro no Fórum Econômico Mundial de Davos na Suíça. A comitiva brasileira parece que foi a passeio, não conseguindo passar uma imagem de seriedade e capacidade de diálogo com os outros países e com a comunidade internacional.Bolsonaro, em sua declaração, dispunha de 45 minutos, falou menos de dez. A comitiva brasileira, marcada para falar com a empresa no mesmo evento em Davos, quando chegou perto da hora marcada, Bolsonaro decidiu ir para o hotel não designando ninguém para falar com imprensa. O cancelamento frustrou a expectativa dos participantes do Fórum de ouvir a comitiva brasileira mais detalhadamente sobre as propostas do novo governo.

O então presidente eleito tinha a intenção de mudar a embaixada brasileira em Israel,  transferido-a de Tel Aviv para Jerusalém, questão essa que dividiu o governo e tensionou as relações brasileiras com o mundo árabe e que não surtiria efeitos práticos do ponto de vista comercial para o Brasil, pelo contrário.

Outra “canelada” diplomática dada pelo Presidente Bolsonaro ocorre quando do processo eleitoral na Argentina. Em seu perfil no Twitter, disse o Presidente:  "Da série JOÃO 8:32 (4) - Com o possível retorno da turma do Foro de São Paulo na Argentina, agora o povo saca, em massa, seu dinheiro dos bancos. É a Argentina, pelo populismo, cada vez mais próxima da Venezuela", afirmou ele, referindo-se à chapa liderada por Alberto Fernández e que conta com a ex-presidente Cristina Kirchner, como vice. A declaração demonstra preocupação desmedida, desrespeitando a soberania e autonomia do povo da Argentina para escolher seu destino. 

A diplomacia também foi deixada de lado, sendo substituída por uma abordagem amadora e com uma guerra de versões, e acusações pessoais entre o Presidente Bolsonaro e o Presidente Macron, da França, quando da tratativa da questão  Amazônia, manchando mais uma vez a imagem do Brasil, que poderia adotar uma melhor postura na defesa de  nossa soberania recorrendo às vias diplomáticas e institucionais.

Por fim, o Presidente Bolsonaro, rompendo com a tradição de nossa melhor prática diplomática, tenta encampar seu filho, Eduardo Bolsonaro, como embaixador nos Estados Unidos (EUA). A tradição é que, desde 1966, só diplomatas de carreira assumam a embaixada do Brasil nos Estados Unidos, que é considerada a mais importante da diplomacia do País, apenas ocupada por quadros do próprio Itamaraty. 

Nos 114 anos da embaixada brasileira nos Estados Unidos — desde 1905 —, 31 embaixadores passaram pelo cargo. Apenas seis não trilharam carreira diplomática, ou seja, foram indicações pessoais dos presidentes da República da época - destacamos os nomes de Oswaldo Aranha (1934 e 1937) e do Pernambucano Joaquim Nabuco (1905 e 1910). 
A indicação do filho de Bolsonaro para embaixada nos EUA é um erro histórico, fere o princípio da impessoalidade e quebra uma tradição de de valorização da carreira diplomática no Brasil. 

Esperamos, porém, que o Presidente acerte o rumo diplomático, optando por mais dialogo e menos conflito e polêmicas, e desista do erro de indicar o filho para embaixador nos Estados Unidos, reestabelecendo as nossas tradições diplomáticas e melhorando a visão do mundo em relação ao Brasil, em suma, que o presidente faça a coisa certa.

*João Américo Rodrigues -  é advogado e responsável pelo Jurídico do Poder Legislativo de Caruaru.


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