Gift of Daniel Cowin, 1990
|
Sabia que entrou em vigor, aqui no Brasil, uma lei que aboliu a aplicação da pena de açoites? Pois é, pode acreditar. Já faz um tempinho: foi em outubro de 1886. Passados cerca de 130 anos, numa sociedade empolgadíssima com os encantos da tecnologia, aí estão as redes sociais repletas de juízes, promotores, desembargadores, presidentes, governadores, deputados, prefeitos e vereadores - entre aspas, é claro.
Como é público e notório, atualmente quase todo brasileiro é um 'chefe do executivo', um 'parlamentar', um 'analista político'. É tão simples, se a wi-fi estiver liberada, _#partiu-intelectualizar._
A opinião é livre, ainda. Mas falar por falar, é um tremendo vazio existencial.
Na educação que recebi dos meus pais aprendi a reconhecer o meu lugar de cidadão comum. Depois me veio a formação de jornalista, resultando no modesto observador da vida que hoje sou. Para não cair nas armadilhas do lugar-comum busco zelar pelas minhas convicções, nutrindo o amor que tenho pela História e pela Filosofia.
Não precisei assistir a íntegra do vídeo que circulou nesta terça-feira (3), onde um adolescente é violentamente humilhado, após cometer um furto em um supermercado de São Paulo. Foi desnecessário bater os meus olhos naquela gravação, naquele corpo que se contorcia, mesmo com a imagem um tanto distorcida. Um retrato urbano que vai muito além de um doce surrupiado da prateleira de um estabelecimento comercial. É muito além.
Em relação a esse caso, sejamos práticos. Houve o delito? Foi comprovado? Aplica-se a lei. Ponto.
Agora, aquela sessão de tortura, é a prática de uma teoria desmedida que segue enraizada na gênese da nossa formação social. Tudo é tão arraigado que parece não haver qualquer esforço, no sentido de curar a nossa memória colonial, dessa noção doentia que é adotar a brutalidade como remédio para todos os males.
É muito cômodo clamar por justiça social, desde que esta atenda aos nossos mais velados interesses pessoais. Há tantos casos assim. Gente que é de Oposição no discurso, e de Situação nos gestos (seja à esquerda ou à direita, a incongruência é uma só). Mas ter coerência pra quê, né? Se a foto ficou com uma boa legenda, tá valendo, _#partiu-bancar-o-espertinho._
Inimaginável é passar por uma prateleira de supermercado, pegar um doce sem pagar por ele e, em vez de ser autuado dentro das normas do que a legislação prevê, ser capturado e açoitado pelos justiceiros da contemporaneidade. E eles são bem numerosos, hein? Estão por todos os lados, inclusive com línguas que também são chicotes.
São eles os guardiões dessa turma que acha que vai resolver todos os problemas do mundo por meio da truculência. Fazer com que seja cumprida a lei? Pra quê, né? _#partiu-punição-a-justiça-sou-eu._
Neste tempo tão marcadamente digital, tão cheio de gente conectada, tão cheio de cybersabichões, imagine: alguém fez uso da câmera de um smartphone, para registrar o "castigo" de um morador de rua, manuseando um objeto medieval. Ainda bem que existem as pessoas de bom senso, e que fazem bom uso dos espaços virtuais e suas ferramentas.
Pois pelo visto, meus amigos, além de 'presidentes' e 'magistrados', as redes sociais também estão tomadas por 'generais', 'cadetes', 'coronéis' e capitães... do mato.
Estes são os estalos dos açoites medievais, nas costas do século XXI.
Por Almir Vilanova, jornalista e radialista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário