19/10/18

RETALHOS DO ALGODÃO por Agildo Galdino



Vez por outra ouvimos conversas de terceiros. É isso mesmo! Num desses dias, sem querer, ouvi de um grupo de pessoas que discutiam sobre moda e pude identificar comentários com resquícios preconceituosos ou de intolerância, quanto ao oficio do homem em costurar, bordar, desfilar e por aí vai. Já pensou? 

Por esta razão fui tomado de tamanha ousadia a rascunhar o que se segue, no intuito de contrariar o que ouvi e deixando a seguinte indagação: costurar, bordar, fazer renda depende de gênero?
Mas antes de tudo deixo claro que não tenho expertise na temática moda e a base de minha referência foi o livro Estrela de couro, a estética do cangaço, de 2010, e algumas outras anotações.
Tal é a exuberância de nossas riquezas naturais e de nossas heranças culturais, oriundas das mais diversas sociedades e constituídas dos mais variados elementos. No Nordeste, a diversidade de cultura se apresenta nas mais diversas formas de manifestações espalhadas por todos os Estados que compõem a região.

A história da moda na região nordestina, está intimamente ligada a essa diversidade de culturas, especialmente, segundo Castilho e Garcia (2001) o artesanato, a exemplo dos bordados e rendas.
Por nos referimos a bordados e rendas não poderia deixar de aludir à música Mulher Rendeira, cuja a autoria é atribuída a Lampião. Dizem ter ele se inspirado em sua avó e madrinha dona Maria Jocosa, exímia na arte de “trocar e bater bilros” –  fazer rendas e bicos de bilros. Quem sabe, não herdara ele o dom de sua avó.
Pensando bem poderíamos até dizer que Virgulino Ferreira da Silva  também foi estilista já que se orgulhava em desenhar os próprios modelos de sua indumentária. Dominava muito bem a técnica do bordado e era extremamente vaidoso. O lenço que usava em volta do pescoço era de seda vermelha, bordado nos quatro cantos, apresilhado com várias alianças de ouro. Seu cantil de alumínio era recoberto por tecido bordado. As bainhas dos punhais, as cartucheiras, as alças dos fuzis completavam a riqueza dos trajes. Que acham? Costurar e bordar também era coisa de cangaceiro.

Mas era a mulher de Corisco, conhecida por Dadá, a estilista do bando criando uma moda própria para o grupo, com os motivos bordados em couro branco sobre os chapéus, a famosa estrela de oito pontas. As bolsas femininas com a parte externa bordada com motivos florais. Peitorais e cinturões largos e de couro e em geral o lenço dos cangaceiros trazia sempre um monograma.
Segundo Frederico Pernambucano de Mello (2010) “o bando de Lampião, sobretudo nos anos 30, possuía preocupações estéticas mais frequentes e profundas que as do homem urbano moderno” e tão peculiar era essa estética que facilmente os identificava.
Outra figura da época, o valente tropeiro, utilizava-se da habilidade de costurar para as eventuais necessidades do meio do caminho, quando a tropa carregava as cargas no dorso de burros.

O esforço desta atividade é cantada com perfeição por Luiz Gonzaga em “Tropeiros da Borborema”. Vejamos um trecho dessa obra prima: São tropas de burros que vêm do sertão; Trazendo seus fardos de pele e algodão; O passo moroso só a fome galopa; Pois tudo atropela os passos da tropa; O duro chicote cortando seus lombos; Os cascos feridos nas pedras aos tombos; A sede e a poeira o sol que desaba; Ó longo caminho que nunca se acaba!

Por sua vez, Luiz Gonzaga fez moda ao incorporar uma indumentária que é um misto do que usavam o vaqueiro e o cangaceiro, chapéu e gibão de couro. Ainda hoje fazem sucesso, marca de muitos cantores de forró. "Vestir uma peça desta... você está vestindo algo extremamente belo, bonito, único, o ponto de partida de qualquer que seja a arte", afirma o cantor e compositor Flávio Leandro. E Gonzagão também cantou o “Gibão de couro”. Vejamos um trecho: No meu sertão; Armadura é gibão de couro; O forte gibão; Pro vaqueiro, seu tesouro.

Agildo Galdino Ferreira
Membro da Academia Caruaruense de cultura, Ciências e Letras, e possui doutorado em Ecologia e Recursos Naturais.

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