15/12/17

Da Blasfêmia ao Sepultura: O surgimento da cena metal de Caruaru - por Frank Junior

Nem só de forró vive Caruaru, existe toda uma vida underground sobrevivendo por entre os “subterrâneos” da cidade com bandas de metal e vários headbangers de preto curtindo artes extremas.
Caruaru até a década de 80 não era lá dos melhores lugares para se curtir um som pesado, era uma cidade fora do circuito dos grandes centros e não tinha muito acesso a determinados materiais. Nessa época, só Recife que já tinha uma certa movimentação mais pesada desde a década de 70 com bandas como a Phetus (uma das primeiras bandas pesadas do estado, e um dos grandes nomes do Udigrudi recifense) e locais como a casa de Humberto, onde se encontrava vários discos de bandas gringas e raridades pra vender, além de lojas especializadas no gênero como a Mausoleum.
É nesse contexto que surge Moisés, também conhecido por “Moisés Discos” que é caruaruense mas era frequentador assíduo da casa de Humberto em Recife. Moisés trabalhava com o pai numa loja de consertar televisão mas enquanto muita gente estava descobrindo essas novas sonoridades, Moisés já tinha vários discos, coleções enormes, raridades e acabou se tornando um dos maiores consumidores e distribuidores de material de rock na cidade, e se tornando uma espécie de sebo, assim como o próprio Humberto em Recife. Considerado inclusive um guru, um precursor da pré-história do rock em Caruaru.
A partir dessa movimentação que surgiu a primeira loja especializada em metal de Caruaru, chamada de Blasfêmia por volta de 1986, e foi com Biu, o proprietário da loja, que muita gente teve acesso a vários LPs de metal, que eram bem difíceis na época de se conseguir e escutar em casa, mas durou pouco tempo, pouco mais de um ano e fechou.
Mas foi no ano seguinte, mais precisamente em 30 de Maio de 1987 que ocorreu um improvável show do Sepultura no teatro João Lyra Filho e acabou sendo um divisor de águas para a cena underground da cidade.

O Show

Wolney Queiroz, hoje deputado federal, filho de José Queiroz, com 14 anos de idade na época, ia pra recife toda semana comprar disco de metal na Mausoleum, e no meio dessas idas e vindas, comprou o primeiro LP do Sepultura (o Morbid Vision, lançado em 1986), e pegou o contato da banda na capa do disco, entrou em contato e acabou viabilizando um show deles em Caruaru.
1º disco do Sepultura. Morbid Vision - 1986
A rapaziada do sepultura por sua vez, topou na hora, a banda não era tão grande quanto hoje em dia, todo mundo era novo na época, com no máximo uns 18 anos incompletos, mal tinha saído do eixo RJ-SP e Andreas Kisser tinha acabado de entrar na banda.
Sepultura em 1987
O show ficou marcado pra um sábado, no teatro João Lyra, no dia 30 de Maio de 1987, e o cast da noite ainda contava com o “Sendero Luminoso”, banda recifense, e o “Incubus” de João Pessoa.
Antes de chegar em Caruaru, o Sepultura passou uns dias em Recife, e foram de ônibus, 48h de viagem, “A gente veio tomando uísque quente, Old Eight, ruim pra caralho, éramos todos de menor” conta Max cavalera.

Chegaram em Caruaru de ônibus, e alguns headbangers locais foram recepcioná-los, e uma das primeiras coisas que Paulo, baixista do Sepultura, perguntou foi: “Quem é esse tal de Wolney?”, quando Wolney se apresentou, ele caiu numa cadeira, tirou os óculos com um tom de quem não acreditava de jeito nenhum que o produtor do show era aquele menino de 14 anos.
Cartaz do show.
“Quando chegamos no teatro, não tinha porra nenhuma”, conta Max Cavalera, nem som de retorno nem nada, e não tinha em Caruaru uma bateria do tamanho que a banda precisava, juntaram umas 4 baterias de gente conhecida pra montar uma só. Wolney saiu pra arrumar amplificador emprestado e coisas do tipo.
A banda ficou hospedada no hotel Centenário, que era um dos únicos patrocinadores do evento e segundos relatos, a quantidade de maconha que a banda fumou no quarto do hotel entrou pra categoria de lenda.
Devido a quantidade de improvisos, quase que o show era cancelado em cima da hora, quando alguém da produção já pela noite chegou pra um grupo que tinha vindo de Recife de ônibus, dizendo que não haveria mais show, e foi aí que uma pessoa chegou e disse:
- Doutor, o senhor sabe onde está? O senhor está em Caruaru. A banda pode até não tocar hoje, mas também não toca mais em lugar nenhum.

15 min depois, o mesmo rapaz da produção volta dizendo que vai ter show.
Minutos antes do show, a banda estava no camarim, fazendo o maior barulho, e ao lado tinha uma casa, onde o dono da casa entrou no camarim dizendo um monte de coisa, e acabou discutindo com a banda por causa do barulho, ele sai e depois volta com uma faca, “O cara tirou a gente do camarim com uma faca”, conta Max Cavalera.
Apesar de todos os problemas, o show aconteceu, a “Incubus” começou a tocar, a “Sendero Luminoso” seguiu na sequência, e por último o Sepultura entra, cantando músicas do disco “Morbid Vision”, e algumas inéditas que seriam do disco “Schizophrenia”, que seria lançado alguns meses mais pra frente, e é considerado um divisor de águas pra cena metal hoje em dia. Mesmo com o som ruim, equipamento emprestado e improvisado, o show foi um sucesso. O ambiente era exótico pra todo mundo, para o público que nunca tinha visto uma banda de trash, e para o próprio Sepultura que nunca tinha tocado no Nordeste. Wolney que já tinha visto metade do show na passagem de som conta que o show foi perfeito do ponto de vista do público, ele até perdeu em algum momento da noite o controle da bilheteria, sem saber quem pagou quem não pagou porque entrou pra ver o show.
2º disco do Sepultura. Schizophrenia - 1987
Uma das pessoas que assistiu e acompanhou o show de perto foi Alexandre “Alex” Moraes, que na época já era fã de metal, e conta que não existia bandas de metal na cidade, e no ano seguinte em 1988, ele se junta com o amigo Junior Sá e montam a Storms, a primeira banda de metal de Caruaru. A Storms tinha músicas autorais e com o tempo tocaram em várias cidades como Recife, Natal, João Pessoa, no festival “Visions of Rock” em Caruaru alguns anos depois, e na década de 90, Alex montou a “Zabumba Bacamarte”, banda que mescla as sonoridades de música regional com rock.
Junior Sá, Alex Moraes e kassius Leandro. Storms hoje em dia.
A importância da Storms em PE era ressaltada na época, influenciando pessoas como Rayonato “Nato” Vilanova, que já era amigo da rapaziada da Storms. Nato era um dos que faziam parte desse cenário underground da época e frequentava ensaios de bandas amigas como a Storms, Nekrófago, Necrose, e festivais como o “Metalmorphose Festival” em 1988 - promovido pela loja Metalmorphose, que foi criada ainda em 1987, logo depois do show do Sepultura, especializada em rock — que tocaram a Storms e o Nephastus.
Nato e Alex - década de 80 e hoje em dia.
Isso foi a centelha que faltava em Nato pra montar uma banda e fazer uma história também, e começou experimentando numa banda chamada Funeral, na qual fazia cover de hard rock como Ratos do Porão, Cólera e Vírus 27 até partir para tocar metal mesmo. E foi em 1990 que Nato monta a Pysch Acid que começa fazendo uns covers de Destruction e Exodus só pra começar o entrosamento da banda, mas pouco tempo depois eles partem para o trabalho autoral e hoje em dia a Pysch Acid é uma das principais bandas de metal de Caruaru e do estado.
O primeiro show da banda foi em 1º de Dezembro de 1990 em Campina Grande, no evento “Nordeste Trash Core”, na qual participaram bandas como Interitus, Mortífera e Devotos do Ódio. Apesar que tinha acontecido um show em Caruaru antes, numa casa que eles alugaram e chamaram de Casa Macabra, mas o primeiro show maior mesmo foi o de Campina Grande.
No final da década de 90, mais precisamente em 1998, quando a cena metal tinha dado uma caída, Nato monta com Ivan Márcio e mais uma rapaziada o “Sangue de Barro”, banda que mistura influências de bandas de pífano, com manguebeat da época e o rock.
Hoje em dia a Pysch Acid ainda está na ativa como uma das bandas mais antigas do gênero em Caruaru, e Nato segue tocando bateria e percussão em várias bandas da cidade como o Cara de Doido (criado por volta de 2011), a “caçula” 70mg criada em 2015, e várias outras.
Pysch Acid hoje em dia.
Em 2003, com as principais bandas de metal de Caruaru (Storms, Extreme Death e a Pysch Acid) completamente paradas com a “queda” do metal, os irmão Lalo, Denis e Sandro montam a “Alkymenia”, a mais nova banda de trash metal da cidade. A banda seguiu fazendo um som autoral até gravar um EP em 2009 (nessa época com Anderson Chino nos vocais) chamado “They Don’t Deserve Respect”, e a partir daí fizeram show em Recife, participaram de concursos especializados do gênero levando eles pra SP, tocaram também no Abril pro Rock em Recife, participaram de coletâneas e até fizeram uma turnê com 12 shows por 8 países da Europa.
Hoje em dia a Alkymenia segue fazendo parte do quadro de uma das principais bandas de metal de Caruaru junto com a Pysch Acid.
Sandro, Lalo e Dennis. Alkymenia.
O cenário underground de Caruaru hoje em dia sobrevive como pode graças a pessoas como Nato, como Gustavo Madruga que montou a banda “Cachorro da Doença” (fizeram até uma turnê pelo interior de SP ano passado), bandas como Alkymenia, festivais como o “Caruaru Extrema Arte” e locais como o bar Metal Beer que sempre divulga e valoriza a cena.
Esse ano de 2017 fez 30 anos desse show homônimo, clássico e por que não improvável, do Sepultura, trazido por Wolney Queiroz pra Caruaru, que basicamente deu origem a essa história toda.
Acesse AQUI e conheça o site do autor, a Ponte.

Referencias:

- GADÊLHA, Wilfred. PEsado: Origem e Consolidação do Metal em Pernambuco.

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