20/05/18

Divagações - Ricardo Gondim


Cavalgo em dois corcéis. Sigo rumo a dois destinos. Em um, acumulo sentido. No outro, vou morrer. Minha sina é  irremediável. Ela me levará a embarcar no mesmo bote em que, um dia, meus pais navegaram. Na esquina dessas duas trilhas, acumulo interrogações. Algumas surpreendentes, outras banais. Todas, entretanto, me empurram no portal das novas dúvidas.
Tenho enorme dificuldade de me equilibrar no fio suspenso sobre o penhasco da existência. Receio a altura, e mal consigo divisar as margens nebulosas.
Sinto que o passado tanto se desapega de mim como ganha cores vivas. Meus pais e amigos perduram na retina, mesmo de olhos fechados. Dou adeus, porém, a afirmações bem formatadas. Desço dos velhos edifícios que albergaram certezas. Despeço-me desses casarões com um certo desapego. Não guardo saudade de dogmas, virgulas e cedilhas que pareciam tão importantes.
Me desacostumo com o ódio em nome de Deus. Estranho a violência dos que defendem o que lhes parece sagrado. Desejo sentar à mesa das gentilezas. Anelo ouvir o conselho da mansidão. Quero beber o néctar que a benevolência serve em taça de cristal.
Vejo cadeias onde outrora acreditava haver liberdade. As palavras agrilhoadas à literalidade do texto me asfixiavam. Só agora entendo: o vento, que pairou sobre a face do caos no Fiat inicial, é frágil. Entretanto, bastam-lhe frestas para arejar quartos escuros.
Medito em meio à solitude. Balbucio uma prece desde a alcova. Quieto, contemplo o mistério. Me esforço para fazer a alma ouvir os silêncios. No sossego, sei: uma presença imperceptível me acompanha.
Soli Deo Gloria

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