Um dos grandes nomes da música e da cultura
popular de Caruaru, é o mestre da “sanfona de boca”: Tavares da Gaita.
José Tavares da Silva, nasceu em 10 de Março
de 1925 em Taquaritinga do Norte, depois se mudou para Toritama, onde morou por
40 anos até chegar definitivamente em Caruaru.
Filho de Manuel Tavares da Silva e Maria
Bezerra da Silva, José Tavares tinha a família toda ligada aos trabalhos no
campo, onde só saiam as vezes para realizar negócios em Caruaru.
Essas viagens à Caruaru se tornaram cada vez
mais constantes em meados de 1944 até ir morar de vez em 1957, logo depois do
centenário da cidade.
O contato com a música vem desde criança,
quando ainda com 13 anos de idade tocava surdo na Banda de Toritama e ainda
fazia parte da Regional (também conhecida como “Banda Oferecida”) participando
como percussionista.
Já em Caruaru, tomava conta de uma casa de
jogos chamado Sinuca Caruaru até se decidir pela música na década de 70 quando
encontrou um realejo numa gaveta. Realejo nesse caso é um tipo de gaita, no
qual Tavares pegou, e praticou até aprender a tocar sem saber nada de teoria
musical.
Com esses estudos com a gaita, ainda inventou
um jeito novo de tocar, com a gaita invertida, sendo assim, o som se
assemelhava com o de uma sanfona, e partir disso que José Tavares ficou
conhecido como Tavares da Gaita.
Na década de 80, Tavares viajou por vários
estados do Brasil com teatro Mambembe de Caruaru, onde criou e tocou vários
instrumentos. Foi a partir desse envolvimento com o teatro caruaruense, que
Tavares também foi um dos que participou das gravações do filme “A Peleja do
Bumba meu boi contra o vampiro do meio dia“.
Além do virtuosismo com a gaita, Tavares
também era artesão e desenhista. O desenho, sempre baseado em formas
geométricas, era mais nos momentos de distração, mas os instrumentos, todos de
percussão, são por volta de 100 que Tavares criou.
Inclusive, todos os instrumentos que Tavares
usa são criados por ele, com matérias-prima de fácil acesso como quenga de
coco, cano de PVC, madeira e coisas do tipo.
Dentre eles tem o “Acoquê”, instrumento
formado por duas quenga de coco, com uma fenda no meio e umas bolinhas dentro.
Um outro bem conhecido também é o “Bambu-reco-som”, uma espécie de reco-reco
feito de bambu.
Para se ter uma idéia da grandeza artística de
Tavares, ele ficou conhecido em vários países da Europa e dos EUA, inclusive o
jornalista José Teles conta que no final de 1989 levou uns instrumentos de
Tavares (dentre eles, um dos mais conhecidos, o Quenga-Som) para Naná
Vasconcelos que na época morava nos EUA. Naná, olindense de peixinhos foi
considerado como o melhor percussionista do mundo por 4 vezes consecutivas se
não me falha a memória.
Inclusive, o próprio Naná conta numa
entrevista ao Jornal do Comércio de 1991, que se Tavares tivesse nascido nos
EUA certamente já estaria eternizado como um dos monstros sagrados do Jazz.
Naná ainda conta que Tavares foi considerado pelo grupo deles (Grupo Mineiro de
Música Aruanda) como o melhor gaitista do mundo, no gênero música regional, em
1988.
Um título desse vindo do melhor percussionista
do mundo, não é pra qualquer um.
Em 2003, Tavares grava o seu 1º (e único)
disco chamado “Sanfona de Boca”. Disco de forró instrumental, tendo a gaita
como carro-chefe sonoro, naquele mesmo esquema, invertido, pra se parecer com
uma sanfona, confira acessando aqui..
Tavares faleceu em Caruaru, em Abril de 2009
com 82 anos, mas deixou o legado do disco, e dos instrumentos criados. Tavares
mesmo sem conhecimento formal de música, inventou seus próprios instrumentos e
inventou um novo jeito de tocar gaita.
No youtube tem um documentário curto que vale
a pena assistir e repassar, sobre Tavares da Gaita, com depoimentos de Naná
Vasconcelos:
No vídeo, Naná fala que o som de Tavares
parece um som modernista, um som contemporâneo. O que me faz lembrar de Walter
Smetak, um músico, professor e pesquisador suiço que se naturalizou brasileiro
(em 1968).
Smetak não fazia parte da cultura popular,
muito pelo contrário, fazia parte do ensino formal e intelectual. Tocava violoncelo
na Orquestra Sinfônica, quando já morava na Bahia na década de 50.
Smetak foi uma das grandes influências para o
pessoal da tropicália na década de 70: Gil, Caetano, Tom Zé e cia.
Além de contemporâneos (mais ou menos a mesma
época, Smetak só era 12 anos mais velho que Tavares), o que um me faz lembrar
do outro? Smetak também era inventor de instrumentos, criou um microfone de
contato pro piano e vários outros, e tudo com materiais como PVC, cabaças e
isopor, parecido com Tavares.
A arte as vezes têm dessas coisas, duas
pessoas de lugares completamente diferentes, que nunca se conheceram, um do
interior de PE, mal sabia escrever o nome, se torna um dos maiores gaitistas do
mundo e inventor de instrumento com materiais simples como PVC e madeira. O outro,
na suiça, que cresceu numa educação muito mais intelectualizada com
conhecimentos formais, foi inspiração para o tropicalismo e também era inventor
de instrumentos com materiais como PVC e isopor.
Tavares da Gaita é o nosso Walter Smetak e
deve sempre ser lembrado como membro honorário da história cultural e musical
de Caruaru, e assim como Smetak, deve ser lembrado também pela sua contribuição
para a arte e música mundial.
Referencias:
-
SILVA, José Marcos. JUNIOR, Eraldo
de A. Valensa. Tavares da Gaita - Cultura popular e marginalização social em
Caruaru.
-
LIMA, MArisa Alvarez. Marginália,
Arte e cultura na idade da pedrada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário