
Depois do São João ter se configurado como
festa-espetáculo a partir dos anos 90, o Pátio de Eventos Luiz Gonzaga era o
lugar onde todo mundo se encontrava, onde estavam os camarotes, os bares, os
comerciantes, o povo, as grandes atrações e tudo mais.
Lembro de várias vezes na minhas adolescência
encontrando com pessoas pelo pátio, onde tinha na época uma espécie de vila com
uma igrejinha e várias construções de alvenaria que eram instalados os bares no
mês de Junho.
Alguns anos se passaram, já tava quase me
acostumando com a multidão daquele local, já conhecia quase todos os bares, até
que um certo dia, decidi subir uma ladeirinha em um espaço que apesar de
grande, parecia passar despercebido pela maioria.
Espaço
Cultural Tancredo Neves
Essa ladeirinha, era a porta de entrada do
galpão do “Espaço Cultural Tancredo Neves”, onde a grande maioria das pessoas
só entravam para ir no banheiro. Mas entrando lá, descobri quase que um outro
mundo, espaçoso, grande, dentro do galpão, era um local fechado, a multidão
tava do lado de fora.
Nesse espaço tinha uma feirinha com
artesanatos, roupas, hippies, e alguns produtos típicos. Mais a frente, tinha
um bar visivelmente improvisado com balcão de madeira, com pessoas ao redor,
circulando, bebendo e conversando.
A memória é meio vaga, mas era por volta do
ano de 2006-2007. Eu ainda adolescente não entendia muito bem o que acontecia
“politicamente” por trás da festa.
Mas os novos artistas autorais de Caruaru não
tinham muito espaço na principal festa da cidade, ou seja, o que a cidade
produzia de cenário cultural (música, teatro, e outras artes) durante o ano,
ficava de fora da principal festa do ano, para dar lugar a grandes atrações que
estavam em alta na mídia do momento. Ou seja, era uma festa pra atender basicamente
os interesses econômicos e comerciais da cidade.
Sabendo disso, essa nova cena artística da
cidade, começou a batalhar por mais espaço. Até que formou-se um pequeno palco
no Espaço Cultural, nesse mesmo lugar onde rolava a feirinha, com algumas atrações
desses artistas, além de muito forró, coco, cirandas, MPB, banda de pífano.
Além do palco com atrações como Almério,
Rogéria, Valdir Santos e Erisson Porto, aquele bar montado de maneira
improvisada, era o bar “Na Feira” de Chico Oliveira, depois ficou sendo a
Cachaçaria de Silvio.
Pronto, tava formado o local onde escoava
verdadeiramente as produções artísticas da cidade.
Essa era a época de hits como “Ciranda da
Vida” (composição de Murilo Carmo), “Boca da Noite” (de Ceumar), “Jangadeiro”
(de Valdir Santos e Demóstenes Félix) e “Trilheiro” (Erisson Porto e Djair
Vasconcelos).
Era engajamento certeiro por parte do público
quando alguém cantava uma dessas músicas. Lá virou o ponto de encontro de
várias tribos, sem julgamento ou preconceitos e que estavam mais interessadas
em dançar, cantar e escutar forró, bandas de pífano, coco, cirandas, e
releituras de mpb.
E foi assim durante um tempo, até que em um
determinado ano a prefeitura decidiu que aquele galpão do Espaço Cultural seria
o local de apoio da polícia.
Legal, mas a turma que estava instalada
naquele espaço e as apresentações de cultura popular, ficou todo mundo órfão,
mais uma vez, sem espaço.
Garajão
Até que no ano de 2010 e 2011, por uma
tentativa de pura militância de criar o próprio espaço pra tocar outras coisas
que fugissem do padrão do axé do Pátio de Eventos, foi criado o “Garajão”.
Daniel Finizola abriu a garagem da casa dele,
que era localizada por trás do pátio, pra receber os amigos e bandas e fez uma
festa na calçada nesses 2 anos seguidos, já que o espaço Cultural não existia
mais.
Lembro do Sangue de Barro e do Mazamorra
(banda de Camocim de São Félix) tocando dentro da garagem, e um grupo de amigos
dançando, bebendo, e brincando na rua. Iniciativas como essa me lembra muito
uma música da época que diz:
"O poder cria a ferida
Mas o povo reinventa a vida
A palavra, a força, o desejo
Vão refazer esse chão"
(Outras Coisas)
Na 2º edição em 2011, foi gravada até uma reportagem
que pode ser vista no youtube:
Em paralelo, os artistas voltaram para aquela
luta de pedir de volta, aquele tipo de espaço pro poder público. Até que no ano
de 2012, a prefeitura cedeu um galpão, só que dessa vez na Estação Ferroviária,
onde teria um palco lá dentro pra voltar essas movimentações.
Palco Alternativo
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| Placa instalada pela prefeitura no interior do galpão do “Palco Alternativo”. 2012 (foto: Frank Junior) |
Apesar de muitos problemas e precariedades, o
galpão da estação ferroviária tava lá, e aquele pessoal que frequentava o
Espaço Cultural antes, migrou todo mundo pra lá. Era um palco completamente
escanteado por toda e qualquer mídia da prefeitura. Então imagine você, um
galpão fechado, em plena rota do São João de caruaru, com um fumaceiro saindo
pela porta causado pela máquina de fumaça do palco (o palco ficava ao lado de
uma das portas do galpão). Do lado de fora, não dava pra entender o som que
tava rolando dentro, só puro barulho.
O galpão era um verdadeiro disco voador
pousado em plena festa do São João, de tão “estranho” que era, na visão de um
passante aleatório. O local foi chamado de “Palco Alternativo”, e rolava todo
tipo de show, desde death-metal (com bandas autorais da cidade como o Alkymenia
por exemplo) até forró, coco e bandas de pífano, tocava de tudo um pouco.
Na programação rolava artistas locais e da região, ou seja, as produções
musicais que era produzido na cidade durante o ano basicamente escoava lá. Além
de outras atrações de fora como Silvério Pessoa e maestro Forró em shows
clássicos dentro daquele galpão.
Eu me lembro que um dos shows mais clássicos
que eu vi ali dentro foi do próprio Ave Sangria em 2013, banda lendária da
década de 70 em Recife, tocando em pleno São João de Caruaru? Só podia ser lá
no Palco Alternativo.
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| Ave Sangria. 2013 (foto: Frank Junior) |
Era muito comum, diálogos do tipo:
- Onde fica o palco alternativo?
- Onde fica o palco alternativo?
- No galpão da estação ferroviária.
- Lá só toca rock né?
- rapaz, lá toca de tudo, de rock a forró.
Uma resposta para esse diálogo acima (além
dessa foto do Ave Sangria), são apresentações como essa do “Projeto
Repercutindo Jackson do Pandeiro” por exemplo, que pode ser vista nesse vídeo.
O palco tinha tudo, de rock a forró, era um verdadeiro festival de música.
As pessoas de maneira geral não sabiam do que
se tratava, e nem muito menos imaginavam a importância de um local desse para o
evento. Um local de preservação cultural, dando vez a bandas de pífano, ao
forró tradicional, coco, trabalhos autorais, bandas de fora, e artistas de peso
nacional.
Polo Azulão
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Polo
Azulão, do lado de fora do galpão. 2016 (foto: Divulgação)
Mesmo com precariedade, problemas,
visibilidade zero por parte da mídia, o palco resistiu, e a cada ano ia
ganhando mais notoriedade na base da militância. Até que por volta de 2015 o
palco saiu de dentro do galpão e foi pro lado de fora, pra calçada, mudou de
nome, e se chamou “Polo Azulão”.
Nessa época, me lembro de apresentações
clássicas como “Cara de Doido” com a banda de pífano Dois Irmãos de João do
Pife e ainda uma participação de Onildo Almeida. Todo mundo no palco ao mesmo
tempo, foi clássico.
Até que no ano de 2017, o palco cresce, e se
muda de lugar mais uma vez, vai pra rua do Sertanejo, ao lado da ACIC. Agora
grande, maior umas duas vezes, com uma imponência que ele merecia a muito
tempo. Nada é perfeito a ponto de não ter defeito, mas parece que finalmente
ganhou a notoriedade que deveria ter. Foi nesse ano que rolou apresentações
ainda maiores como Lenine e Chico Cesar.
Hoje o Polo Azulão é esse festival de música e
de cultura popular que acontece no São joão de Caruaru, onde tem esse espírito
plantado desde o Espaço Cultural, a mais de 10 anos atrás.
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| Polo Azulão em seu local atual. 2017 (foto: divulgação) |




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