03/08/18

POEMA EM DESALINHO



Não pensei preencher a página em branco com essas palavras, mas, chegado o verão, encontro-me embebido em minhas reflexões abarrotadas de lembranças tuas que não me dão trégua desde que tuas pupilas deixaram de brilhar, mas nem notei que o tempo passou depressa demais.


Embora a vida seja uma despedida constante, a cortina da vida se fechou quando nem esperávamos e os aplausos foram as lágrimas frias que desceram em minha face. Vi descerem também lágrimas de insensatez sobre as máscaras da maldade, e as lembranças tuas não me dão trégua desde que tuas pupilas deixaram de brilhar, mas nem notei que o tempo passou depressa demais.


Persistem tuas lembranças que vão e voltam, constantemente, de quando ainda caminhávamos na areia da praia, enquanto a mente maquiavélica dos abutres tornava teu ontem um descontente viver, e as lembranças tuas não me dão trégua desde que tuas pupilas deixaram de brilhar, mas nem notei que o tempo passou depressa demais.


Embora seja inevitável o tempo não corroer as lembranças das experiências vividas, mesmo assim algumas independentemente sobrevivem ao tempo como alicerces construídos em rochas firmes e nesse verão, meu coração ficou frio pois as lembranças tuas não me dão trégua desde que tuas pupilas deixaram de brilhar, mas nem notei que o tempo passou depressa demais.


Não, não voltei mais àquela tua praia, mas hoje trouxe meu filho Pedro Henrique para conhecer o teu mar. Completa ele dois anos de vida, sua irmãzinha Lúcia Vitória o conheceu nessa mesma idade. Ah! Irias achar ele engraçado até mesmo o apelido que nele colocara, “Grilo”, mas as lembranças tuas não me dão trégua desde que tuas pupilas deixaram de brilhar, mas nem notei que o tempo passou depressa demais.


Ah, aquela estrada da tua praia onde as árvores ali se levantaram em suas margens e no alto se abraçaram formando um túnel da cor da esperança... Não cansavas de admirar, quando ali passavas e transbordavas de alegria. Era mais um verão, e as lembranças tuas não me dão trégua desde que tuas pupilas deixaram de brilhar, mas nem notei que o tempo passou depressa demais.


Minha alma se inquieta ao passar ali naquela estrada e tua imagem não pede permissão e toma conta da minha visão, assim de supetão, como as ondas do mar em seus movimentos na areia de tua praia, para lá e de volta para cá, e as lembranças tuas não me dão trégua desde que tuas pupilas deixaram de brilhar, mas nem notei que o tempo passou depressa demais.


Enfim, uma parada no meio do “túnel” para que as crianças sentissem a beleza exuberante da natureza e para comprar jacá em bagre, como tu costumavas fazer.

– Agildo, para aí.

E seguíamos em direção àquela tua casa, entrada bem na curva do S, à esquerda, depois do pé de caju. E as lembranças tuas não me dão trégua desde
que tuas pupilas deixaram de brilhar, mas nem notei que o tempo passou depressa demais.


Não, não passei lá naquela tua casa. Não tenho razão sequer para passar pela rua. Sim, olhei-a de longe, talvez por receio de chorar, talvez me falte coragem ou, quem sabe, não queira dar chance à tristeza. Aquela casa, a tua casa já não me importa. Lá não estas mais, não te verei mais no teu jardim aguando as plantas, e as lembranças tuas não me dão trégua desde que tuas pupilas deixaram de brilhar, mas nem notei que o tempo passou depressa demais.


Ah, saudade, vindo de vento em popa, batendo forte na realidade de hoje trazendo teu sorriso de ontem, não era frequente, rias pouco, mas teus olhos sorriam para todos que amavas, e as lembranças tuas não me dão trégua desde que tuas pupilas deixaram de brilhar, mas nem notei que o tempo passou depressa demais.


Lá, daquela tua casa, avistavas o mar, o vento e o sol de janeiro na varanda adentrar. Tu, na areia deste mar a caminhar, o primeiro mergulho da manhã, a tampar as narinas para atravessar a onda, e uma água de coco tomar, sentada na barraca do “Ferinha”, e as lembranças tuas não me dão trégua desde que tuas pupilas deixaram de brilhar, mas nem notei que o tempo passou depressa demais.


A mesa repleta de pessoas que tu amavas, o café da manhã – queres cuscuz com ovos e banana comprida, queijo de coalho frito... Importavas com o desejo de cada um e as lembranças tuas não me dão trégua desde que tuas pupilas deixaram de brilhar, mas nem notei que o tempo passou depressa demais.


Ah, o almoço em que tinhas prazer em agradar a todos. Antes, porém, nós nos encontrávamos na praia. Cerveja para alguns, água de coco para ti, amendoim, caldinho e até aquele camarão que tu gostavas, vendido na praia. “O camarão do corno”, como se intitulava o próprio vendedor, e as lembranças tuas não me dão trégua desde que tuas pupilas deixaram de brilhar, mas nem notei que o tempo passou depressa demais.


E aquela tua casa que aconchegou tanta gente, palco de muitas alegrias, e que presenciou muitas histórias? Encontra-se fechada há algum tempo, sem luz. Nem sequer velas acessas iluminam a sala e no seu muro baixinho não mais posso me sentar, nem passar horas e horas contigo à noite, a conversar. E não mais verões viveremos, e as lembranças tuas não me dão trégua desde que tuas pupilas deixaram de brilhar, mas nem notei que o tempo passou depressa demais.


Glória a Deus! Que a cortina no palco se fechou naquele final de tarde distante daquela tua casa e as lanças afiadas deixaram exposta a dor e a irracionalidade humana não permitiu que enxergassem a mão que sempre esteve estendida, surrupiada sem dó, nem piedade. Aquela tua casa, de que gostavas tanto...

Ah, se eu lá chegar no céu, não pedirei para ir a lugar nenhum, primeiro gostaria de te rever.


Agildo Galdino Ferreira
Membro da Academia Caruaruense de Cultura, Ciências e Letras. 

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