19/08/18

Quase meio cheio. por Maciel Melo


Apenas um copo em uma mesa; metade vazio, metade meio cheio. A primeira metade quase quente, a outra ausente e fria congela o silêncio que se revela no vácuo entre o garçom, o balcão e a mesa. Uma música, metade triste, metade drástica, vai deixando sua última metade quase meia. Alguém pede para aumentar o som, a sonoridade do trompete lhe rasga a carne pelo meio, e a voz de Reginaldo Rossi vai preenchendo a lacuna, que se amiúda ainda mais, tornando cada vez mais presente a ausência de outro copo, que num tempo não muito distante, brindava entre as gargalhadas e brilhava nos olhos qualquer coisa meio assim, parecendo com felicidade.
Mas... “É sempre bom lembrar, que um copo vazio está cheio de ar...” é só respirar bem fundo na hora de dar o gole na metade que lhe resta, encher os pulmões com a brisa da madrugada e, deixar os espíritos da noite penetrarem numa brechinha qualquer que seja. E a noite se vai, e vai amanhecendo o dia, e vem o primeiro sol, e na demência da ressaca esquece o troco, para alegria do garçom.
A calçada meio estreita, as pernas meio bambas, o corpo meio penso, o português da padaria meio risonho lhe faz um aceno; um gari varre o seu caminho, o porteiro do prédio lhe dá um bom-dia, o dia vira noite, a noite vira dia; e vai dormir seu sono sob o sol de Saturno, até chegar a hora de reencontrar a lua que também virá pela metade, e aí... a mesma rua, o mesmo bar, a mesma mesa, o mesmo garçom e o mesmo copo quase meio cheio.

Nenhum comentário: