23/02/19

Alma rebelde pernambucana por André Ricardo

Regalo do primo Agildo, presidente da Academia Caruaruense de Cultura, Ciências e Letras(ACACCIL), recebi a biografia Anastácio, o eterno prefeito; subsídios para a história política recente de Caruaru [Ed do Autor, 2018]. São dois alentados volumes. Contam a trajetória do prefeito que governou minha cidade natal justamente no tempo em que nossa família deixa a região e migra para São Luís (MA). Para além do retrato biográfico, encontramos ali preciosas informações sobre o dia a dia da cidade, da administração municipal e da política pernambucana dos últimos sessenta anos.
A leitura da obra, de autoria do jornalista Fernandino Neto, ocupou-me na volta das férias – experiência saborosa porque logo comecei a ativar uma memória adormecida de nomes, lugares e eventos ouvidos de meus pais e pessoas da família quando criança, em casa mesmo ou em viagens ao Agreste. Minha herança e vivência de Caruaru renderiam muitos textos. Aqui e ali, tenho desfiado alguns tópicos.
Neste aqui, destaco aspectos políticos interessantes sobre o estado e o município. Pernambuco esteve na vanguarda de ideias e práticas progressistas nas décadas de 1950 e 60: as Ligas Camponesas (o MST daquela época), a práxis de Paulo Freire, o aporte teórico de Josué de Castro com sua Geografia da Fome, o movimento de cultura popular e por aí vai.
Pois bem, quando do golpe militar de 1964, enquanto o município é comandado por um direitista, Drayton Nejaim, o esquerdista Miguel Arraes chefia o Governo estadual. Operada a mudança, Pernambuco segue indômito nos tempos iniciais do regime. Vem dali uma das primeiras ações da esquerda armada: o atentado a bomba contra o então ministro do Exército e futuro presidente, general Costa e Silva. Já em 1968, no ápice daquela onda de resistência à ditadura, freada pelo AI-5, as coisas se invertem. Governa o Estado um quadro da governista ARENA (Aliança Renovadora Nacional), ungido pela Assembleia Legislativa. A Capital do Agreste, porém, elege, diretamente, Anastácio, candidato do MDB (Movimento Democrático Brasileiro), de oposição, que havia se destacado como vereador nos últimos anos.
Perspicaz e cauteloso, sabendo que seu mandato corria risco de cassação pelo simples fato de ser oposicionista, Anastácio, já na campanha, buscou evitar críticas ao regime militar e, uma vez prefeito, não hesitou em cultivar boa relação com os dois governadores com quem conviveu, Nilo Coelho e Eraldo Gueiros. O prefeito simplesmente caiu nas graças dos mandatários que, embora adversários, em muito atenderam às demandas da Prefeitura. E possivelmente por isso, seu nome foi poupado da degola do AI-5 que atingiu lideranças de oposição e até mesmo governistas. A desenvoltura com os governadores arenistas bem como sua recusa em atacar o governo militar levaram-no a se indispor até mesmo com aliados emedebistas.
Anastácio Rodrigues teve carreira meteórica: secretário municipal, vereador e prefeito, seguindo-se o ostracismo. Bancário, por profissão. Homem simples, para estudar e se formar, labutou muito. Vinha de família pobre do Alto do Moura, localidade rural (hoje integrada ao meio urbano). Conduziu-se com ética e seriedade – características que os próprios adversários reconheciam nele. Recusava benesses para si e rejeitava pedidos descabidos até de aliados. Implantou nova política de cobrança de impostos, multou empresários que desrespeitavam a lei e demitiu servidores para enxugar a máquina pública. Terminou o mandato bem avaliado, tanto que fez o sucessor, o ex-prefeito João Lyra Filho, também do MDB.
Com a redemocratização, Pernambuco tem elegido recorrentemente candidatos mais à esquerda. Em dez disputas, duas exceções: Roberto Magalhães, em 1982, e Joaquim Francisco, em 1990. A proeza dá-lhe singularidade sem paralelo no país, sendo reduto de inconformismo político no Nordeste. A vocação começou ainda no Brasil Colônia com o movimento de expulsão dos holandeses, a guerra dos mascates e a revolução de 1817. Seguiu assim no Império: Confederação do Equador e Revolução Praieira. Haja rebeldia.
Fonte: andrericardomartins.wordpress.com

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