13/02/19

Em Prosa e Verso - O lirismo dos Salmos por Jénerson Alves


Para além dos aspectos religiosos, a Bíblia também pode ser lida sob um ponto de vista literário. Northrop Frye, um dos mais célebres críticos literários do século XX, destacou que “(...) elementos da Bíblia forjaram uma estrutura imaginativa (...) na qual se desenvolveu a literatura ocidental até o século XVIII e em grande medida até os nossos dias”.

Neste contexto, o livro de Salmos merece especial atenção, pois notadamente é um livro de poemas – “polidos, educados e sonoros”, como descreveu Eugene Peterson. Assim, ler um Salmo é apreciar um poema de tema sacro das mais variadas modalidades, como hinos, queixas, romagem e salmos de sabedoria. Estes últimos têm um formato de escrita semelhante aos livros bíblicos de Provérbios e Eclesiastes, por exemplo.

É importante ressaltar que a poesia hebraica diferencia-se em alguns aspectos da poesia brasileira. Enquanto a poesia em língua portuguesa é caracterizada pela métrica e pela rima, a característica marcante da poesia hebraica é o paralelismo, isto é, a correspondência sintática recorrente de vários elementos, produzindo um efeito retórico muito peculiar.

Há vários tipos de paralelismo na poesia hebraica, dentre os quais podemos citar os sinônimos (em que as ideias expressadas na primeira linha são continuadas na linha seguinte) e os antitéticos (em que as ideias expressadas na primeira linha são contrariadas na linha seguinte). Um exemplo de paralelismo sinônimo está no conhecido Salmo 19:1: “Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das Suas mãos”. Já é possível encontrar um paralelismo antitético no versículo 6 do Salmo 1: “Pois o Senhor aprova o caminho dos justos, mas o caminho dos ímpios leva à destruição!”

Existem, ainda, muitas figuras de linguagem no livro de Salmos. A metáfora e a símile são as principais delas. No versículo 9 do Salmo 139, por exemplo, vê-se a belíssima expressão “asas da alvorada”, que consiste em uma metáfora (figura de linguagem com uma comparação implícita). Todavia, no Samo 79, versículo 3, vemos uma triste símile (comparação explícita): “Derramaram o sangue deles como água”.

Vale ressaltar que a linguagem dos Salmos permite ao eu-lírico ‘rasgar-se’ diante do Interlocutor, expondo dores, aflições e falhas para Deus. O Salmo 79, acima mencionado, foi escrito por Asafe provavelmente quando da queda de Jerusalém sob Nabucodonosor, rei da Babilônia (cerca de seis séculos antes de Cristo). Neste Salmo, porém, o eu-lírico não apresenta suas queixas particulares, mas fala em nome do povo. Os males da nação doíam na alma do poeta, a ponto de ele fazer da sua poesia uma oração (e vice-versa).

Em tempos de tragédias como as que temos visto em nosso Brasil, os Salmos podem ser uma luz para iluminar nossa alma, mostrar nossas chagas, revelar nossas dores, mas também apresentar que a cura vem dAquele “que perdoa as iniquidades e sara as enfermidades” (Sl 103:3).
*Jénerson Alves é Poeta, Escritor, Jornalista, Professor e Assessor na Assembléia Legislativa de PE.

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