19/12/19

Morre o "Papa da Xilogravura"

O Mestre Dila e seu universo. Foto: Leo Caldas
Por volta das 22 horas e 30 minutos da noite de ontem (11) Caruaru perdeu mais um de seus mestres na cultura: José Soares da Silva, Mestre Dila o "Marechal dos Cordelistas". 
Agricultor, gráfico e tipógrafo, consagrou-se profissionalmente como Cordelista e xilógrafo, patrimônio vivo de Pernambuco e um dos maiores nomes da xilogravura no estado, se encontrava internado no Hospital Mestre Vitalino, partiu aos 82 anos vitima de pneumonia. 

Dila será homenageado in memorian no desfile do Galo da Madrugada do próximo ano. (RICARDO B. LABASTIER/JC IMAGEM)
O velório do Mestre será realizado no Cemitério Dom Bosco, em Caruaru, e o enterro está marcado para 16h.

O RECONHECIMENTO DO CORDEL

A Literatura de Cordel é reconhecida hoje como Patrimônio Imaterial Brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Há duas décadas, funciona na rede municipal de Caruaru o projeto Cordel nas Escolas. Na Paraíba e em Pernambuco, tramitam projetos de lei que fomentam esta arte nas unidades educacionais – o primeiro, de autoria da deputada Pollyana Dutra; o segundo, do deputado Delegado Erick Lessa. A profissão de Cordelista é reconhecida na Lei Federal 12.198/2010. 

Dila foi, juntamente com outros cordelistas, contemplado com a Medalha de Honra ao Mérito “Rafael dos Santos Barros” recentemente na Câmara Municipal de Caruaru. A propositura foi de autoria do vereador Pb. Andrey Gouveia (PL nº 8258/2019) e instituiu também a criação do Dia Municipal do Cordelista (19 de novembro), como já é comemorado em diversos estados do Brasil, por ser a data do nascimento do poeta brasileiro de literatura de cordel, Leandro Gomes de Barros.

O memorial ganhou no ano passado Prêmio Culturas Populares 2018 – edição Selma do Coco

O Memorial Mestre Dila fica na Rua Antonio Satu, no Centro de Caruaru, organizado pelo artista Valdez Soares (filho de Dila), um local onde é possível aprender mais sobre a vida e obra do Mestre. Dila foi homenageado da 3ª ExpoCordel, no ano passado.

Dila nasceu em 17 de setembro, ano 1937, filho de Domingos Soares da Silva (Cangaceiro Relâmpago*) e Josefa Maria da Silva (Cangaceira Beleza*). Dila veio morar em Caruaru com 15 anos, arranjou emprego em várias gráficas e fez gravura para jornal, rótulos de bebida e cordel. Vendia seus folhetos em várias feiras de Pernambuco, Alagoas, Ceará e Bahia. Chegava sempre cedo, abria sua maleta e espalhava os folhetos e ficava até as três da tarde cantando o que escrevia. Na década de 50 trabalhou na gráfica Vanguarda e na Defesa (jornais de Caruaru) depois no jornal Agreste. 

*Dila tinha uma mente criativa ao ponto de trazer o universo de ficção dos cordéis para vida prática, então há relatos diversos que ele imaginava cenas e situações surreais, entre elas, essa narrativa de seus pais serem cangaceiros. 

Dila deixou 5 filhos e 11 netos, entre estes um vem cuidando de preservar sua memória, Valdez Soares
Em seus cordeis religiosidade, as lendas e os mitos nordestinos, onde Padre Cícero e cangaço ganham destaque. Um dom para unir o sagrado e o profano em versos.
Foi casado por mais de 50 com Valdecila Soares (falesceu em setembro de 2006). Tiveram seis filhos, mas nenhum herdou seu talento. Valdez Soares, filho, cuida de preservar sua memória.


Na Academia Caruaruense de Literatura de Cordel, Dila ocupava a cadeira 20, cujo patrono é o paraibano Zé Limeira, Poeta do Absurdo. Dila foi um precursor e também inovador. Gravador, artista gráfico, editor, poeta, escritor. Produziu folhetos, sobretudo autorais, contendo não apenas poemas, também lendas, narrativas em prosa. 
“São Bartolomeu e o Diabo” e “Paulo e Rosita” venderam para mais de 70 mil exemplares.  Seu cordel preferido, “O sonho de um Romeiro com Padre Cícero Romão”, é sua obra mais vendida, ele faz previsões quase messiânicas. (Foto: Acervo Maria Alice Amorim)
Inovou nos anos 1970, com álbuns coloridos impressos no formato cordel. Criava rótulos simples, preparando-os em carimbos de borracha, para impressão em papel, em tecidos para bordado, e em outros usos no comércio e em cores para calçados, bebidas e doces. Criou clichês de madeira para fazer logotipos. Gravuras em madeira, ou xilogravura.


Mestre Dila dizia, a quem o chamava de mestre: "Mestre só Deus" (Foto: Teresa Maia/Divulgação)
Em junho de 2012 sofreu um AVC que o deixou lúcido, mas limitado para tarefas manuais e viagens. Depois que sua esposa morreu foi morar na casa-ateliê com a filha mais velha, Conceição, onde hoje tem o Memorial Mestre Dila. Lá, um universo poético expresso em palavras e imagens dançantes, vistas e sonhadas por Dila. Mãos que tocaram o sagrado, o mítico-imaginário, do artista que mergulhou nos mundos habitados por besta-fera, fadas, cangaceirama, messias, mundos situados no inferno, em Plutão, cheios de diabos e diabas.

Ricardo Moura (fotos)
Nosso adeus ao mestre Dila. Fica seu trabalho e a sua história. 


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