Foi o preço do pão.
Alguma desilusão nova se apossou de mim quando soube que um pão, um pão só, único, definitivo, insuficiente pra encher a sacola de plástico, custava um real.
Não eram vários, cinco, ou três.
Um real de pão.
Pagamos o preço do absurdo.
Trazer á tona a ficção: distopia.
Ficar de quatro pro “rei” sentar em cima e ditar a dor.
Nos assustamos com a face do Brasil, essa outra dura e anacrônica, máscara de ferro, peça corroída, arma engatilhada. Face(ista).
O lixo pesado voltou da lixeira.
Todo o lixo descartado retornou pra tua casa, entupindo ela. Lixo de anos, séculos, milênios, eras.
O lixo tomou conta do Brasil.
Um tipo de lixo que não tem como varrer. Que é de dentro.
Sumimos e voltamos, perdidos no medo, atravessando uma névoa de desconfiança, vítimas e algozes ingênuos, matando com um beijo, deixando a morte em alguém no aperto de um abraço. Um presente invisível: teu fim. Ou do teu amigo, tua mãe.
Foi assim.
É assim?
Eu sabia que um pão custava 50 centavos. Dois pães um real. Fiquei chocado, desmesuradamente, quando, de um dia pro outro, o pão era um real. Isso me remeteu ao tempo em que a gente saía da padaria de sacola cheia, generosa, suficiente: dava dez pães, um real. Nostalgia minha?
O preço do real é a vida.
Hoje, logo cedo, fui na padaria da esquina, que fica na rua de trás. Cada um 50, dois a um real. Pelo menos não é só um pão. Triste. Avarento. Pouco. Caro. Amargo. Desiludido. Mal assado. Frio.
Ainda existe esperança.
Será que baixa, o preço do pão? De novo dez, um real?
É o preço do trigo?
A levedura?
O bicarbonato de potássio?
Os fungos?
Deve ser o mofo desse povo atrofiado, essa gente aristocrática, que acha que é dona até do que é vivo, com cérebros de plástico. De lixo.
Quiseram agarrar a todo custo, mas o povo é fera indomada. Mais perigosa quando acuada. Perseguida. Criativa. Sanguínea. Latejante. Colorida. Inquieta. Pensativa. Combativa. Calejada. Teimosa. Sofrida. Que compra só dois pães com um real.
Uma festa foi anunciada. A fera pinta as unhas, põe cor nos olhos, rega a alma e vai assistir à aurora.
Enquanto isso, sigo chocado: com o preço do pão e o custo da realidade.
5 comentários:
Muito bom Vanderson. Pura realidade
Uma realidade pregada nas tristes molduras dia dias de hoje, como nos alertou o Querido Vital Santos.
Muito necessário a reflexão, parabéns Vanderson e ao blog!
Uma realidade pregada nas tristes molduras dos dias de hoje, como nos alertou o Querido Vital Santos.
Muito necessário a reflexão, parabéns Vanderson e ao blog!
É uma infeliz realidade.
Vanderson como sempre fazendo reflexões necessárias com poesia
Texto que se apropria da condição de quem enxerga o trigo nao caindo na esparrela de que o destino há de ser justo para quem aceita o menino jesus cristão. Parabens, Vanderson
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