30/12/22

Um real de pão por Vanderson Santos

Foi o preço do pão.

Alguma desilusão nova se apossou de mim quando soube que um pão, um pão só, único, definitivo, insuficiente pra encher a sacola de plástico, custava um real.

Não eram vários, cinco, ou três.

Um real de pão.

Pagamos o preço do absurdo.

Trazer á tona a ficção: distopia.

Ficar de quatro pro “rei” sentar em cima e ditar a dor.

Nos assustamos com a face do Brasil, essa outra dura e anacrônica, máscara de ferro, peça corroída, arma engatilhada. Face(ista).

O lixo pesado voltou da lixeira.

Todo o lixo descartado retornou pra tua casa, entupindo ela. Lixo de anos, séculos, milênios, eras.

O lixo tomou conta do Brasil.

Um tipo de lixo que não tem como varrer. Que é de dentro.

Sumimos e voltamos, perdidos no medo, atravessando uma névoa de desconfiança, vítimas e algozes ingênuos, matando com um beijo, deixando a morte em alguém no aperto de um abraço. Um presente invisível: teu fim. Ou do teu amigo, tua mãe.

Foi assim.

É assim?

Eu sabia que um pão custava 50 centavos. Dois pães um real. Fiquei chocado, desmesuradamente, quando, de um dia pro outro, o pão era um real. Isso me remeteu ao tempo em que a gente saía da padaria de sacola cheia, generosa, suficiente: dava dez pães, um real. Nostalgia minha?

O preço do real é a vida.

Hoje, logo cedo, fui na padaria da esquina, que fica na rua de trás. Cada um 50, dois a um real. Pelo menos não é só um pão. Triste. Avarento. Pouco. Caro. Amargo. Desiludido. Mal assado. Frio.

Ainda existe esperança.

Será que baixa, o preço do pão? De novo dez, um real?

É o preço do trigo?

A levedura?

O bicarbonato de potássio?

Os fungos?

Deve ser o mofo desse povo atrofiado, essa gente aristocrática, que acha que é dona até do que é vivo, com cérebros de plástico. De lixo.

Quiseram agarrar a todo custo, mas o povo é fera indomada. Mais perigosa quando acuada. Perseguida. Criativa. Sanguínea. Latejante. Colorida. Inquieta. Pensativa. Combativa. Calejada. Teimosa. Sofrida. Que compra só dois pães com um real.

Uma festa foi anunciada. A fera pinta as unhas, põe cor nos olhos, rega a alma e vai assistir à aurora.

Enquanto isso, sigo chocado: com o preço do pão e o custo da realidade.


5 comentários:

Pedro Henrique disse...

Muito bom Vanderson. Pura realidade

Anderson do Pife disse...

Uma realidade pregada nas tristes molduras dia dias de hoje, como nos alertou o Querido Vital Santos.
Muito necessário a reflexão, parabéns Vanderson e ao blog!

Anderson do Pife disse...

Uma realidade pregada nas tristes molduras dos dias de hoje, como nos alertou o Querido Vital Santos.
Muito necessário a reflexão, parabéns Vanderson e ao blog!

Unknown disse...

É uma infeliz realidade.
Vanderson como sempre fazendo reflexões necessárias com poesia

Unknown disse...

Texto que se apropria da condição de quem enxerga o trigo nao caindo na esparrela de que o destino há de ser justo para quem aceita o menino jesus cristão. Parabens, Vanderson
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