Todo sábado à tarde, a programação certa e
obrigatória é tomar uma cerveja e “prosear” um pouquinho na rua João Condé, na
Confraria do Sucata, a bodega mais antiga de Caruaru, se bobear até de
Pernambuco.
Tudo começou no ano de 1950 quando Pedro
Lourenço Vasconcelos resolveu abrir uma pequena bodega no centro de Caruaru, no
qual ficou sob sua administração por 14 anos.
No ano de 1964, com a morte de Pedro, assume a
bodega seu filho Pedro Lassere (também conhecido como Pedro Sucata) e sua
esposa [dona] Helena.
Eles ampliaram os produtos da bodega e acabou
transformando ela numa mercearia onde se vendia de tudo. Numa época onde não se
tinha ainda a presença dos supermercados na cidade, esse era o tipo de lugar
onde as pessoas iam para fazer comprar e vez por outra beber uma caninha. Ou
seja, era um local de compras, de bebidas, de encontros e conversas.
Nessa época, os únicos lugares que faziam esse
serviço de mercearia em Caruaru, onde a população ia fazer as compras, era lá
na mercearia de Pedrinho Sucata e o Café Serrano, só.
O nome do local nessa época era “Bar e Mercearia”, com duas portas de madeira na frente.
Pedro
Sucata e dona helena, meados da década de 60. (foto: facebook)
A
bodega ainda com duas portas (foto: facebook)
Toda vida foi um tradicional lugar de encontros, desde pessoas indo comprar camarão enlatado ou doces, até boêmios que iam jogar conversa fora bebendo alguma coisa como Chico Porto por exemplo. Chico Porto era um grande orador e mais conhecido como o maior bebedor de Brahma, consequentemente o maior boêmio de Caruaru.
Um outro frequentador assíduo da bodega de Pedrinho Sucata, era o famoso carnavalesco Cacho de Coco, que passava por lá antes do carnaval com sua caravana pra beber uma dose de Cinzano.
Eribaldo
Bezerra, “sucateiro” que sempre se vestia de Charlie Chaplin no carnaval (foto:
acervo de Luiz “Lula” Teófilo)
No ano de 1998, Pedro Sucata morre e seu filho Byron Lassere assume o bar. Byron praticamente nasceu nesse bar, dona Helena tava grávida dele quando já frequentava o bar com Pedro Sucata. Byron mudou o nome de “Bar e Mercearia” para “Confraria do Sucata - desde 1950”.
Essa é a configuração de hoje, e Byron assume o bar já a 20 anos mantendo essa tradição a 68 anos no total.
Na década de 70, Pedrinho Sucata criou a “A Noite Hippie”, no auge do movimento hippie no Brasil e no mundo (o Woodstock por exemplo foi em 1969). O evento consistia nos frequentadores da bodega (carinhosamente chamados de “sucateiros”), saindo da noite da Festa do Comércio de bermuda e descalços, e brincavam vendendo uns jornalzinhos com fatos pitorescos que tinham rolado durante o ano.
E foi inspirado nessa história da “Noite Hippie” que Byron junto com os sucateiros decidiram fazer uma festa de carnaval da bodega no ano de 1998, lembrando que o Carnaval de Caruaru já foi uma festa muito grande e tradicional na cidade e tinha se acabado. Nessa 1º edição deve ter dado por volta de 100-200 pessoas em média. Com o passar dos anos, o número de pessoas na festa de carnaval aumentou progressivamente e hoje, 20 anos depois pode-se dizer que Caruaru tem de volta uma festa de carnaval, que junto com outros bares ao redor, e até de outros locais da cidade, já forma um público de lotar quarteirões.
Cartaz
de divulgação do carnaval 2018, ilustrando uma imagem aérea do carnaval do ano
anterior (fonte: facebook)
Hoje em dia, o Sucata é meu bar preferido de Caruaru, e tem vários aspectos curiosos que merecia um texto separado só pra isso. Mas uma coisa é certa, o dominó apostado que rola todo dia, faça chuva, faça sol, a cerveja sempre gelada e os “canudinhos” de dona Helena.
Byron afirma que o avô dele era um tipo de
alquimista, porque pegava umas plantas e uns “matos” e colocava dentro da
cachaça pra vender, no início da bodega na década de 50 (o que facilmente se
chamaria hoje de “cachaça artesanal”).
Mas eu acredito que alquimia mesmo é o que
exala aquele lugar, com a mágica de criar um clima de extensão da sala de casa,
onde as mesmas pessoas frequentam sempre, e a muito tempo (eu sou um dos
caçulas, tanto de idade, quanto de tempo de casa). Com isso, cria-se uma
família, “os sucateiros”, onde não é raro ver cenas como um frequentador diário
chegar com um saco de pão francês fresquinho na mão, para lá um minutinho,
assiste o jornal nacional, joga um dominó e vai pra casa.
É essa “alquimia” que está cada vez mais rara
de encontrar e não tem em todo lugar, e uma das matérias primas dessa mágica é
a Tradição, a relação próxima que existe entre a bodega e os clientes, que
Byron faz questão de manter. O que me lembra um verso do poeta e escritor
Braulio Tavares que sintetiza muito bem isso:
“A tradição é o sopro
Que por nós é modulado
Em melodias que o mundo
Inda não tinha escutado
Pois só se compra o futuro
Com moedas do passado”
Sobre um aspecto da dinâmica da bodega, eu
escrevi uma crônica uma vez que pode ser acessada aqui.
Agora me dêem licença que vou aqui no freezer
abrir uma Brahma e ir ali assistir o dominó pra saber quem vai levar a barra.
Dona Helena hoje em dia (fonte: facebook) |
Uma imagem de Byron abrindo a bodega de bicicleta (fonte: facebook) |
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